domingo, 23 de maio de 2010

“Família, família: cachorro, gato, galinha..”



Ana Carolina Seara
“Família, família: cachorro, gato, galinha..” um sucesso da década de 80, composto por Arnaldo Antunes e Tony Bellotto, viria anunciar um novo tempo e uma nova configuração das famílias modernas? Estamos diante de muitas mudanças políticas e sociais, e é com curiosidade que acompanho as mudanças de uma década: jovens que casam mais tarde, casamentos que se dissolvem em poucos anos de convívio, casais sem filhos, filhos com irmãos de vários pais ou mães, solteiros por opção ou pela falta de opção melhor, relações virtuais. Enfim, uma ampla gama de possibilidades que compõe a família moderna (ou pós moderna?). Além dessas configurações, um fato chama a atenção: cada vez mais é possível observar pessoas morando com animais de estimação; e me pergunto: qual o papel desses bichinhos na família atual? 
   
Cães e gatos, entre outros animais de estimação, têm características essencialmente diferentes, mas podem ser os representantes mais próximos do desejo de afeto e companhia, num mundo em crise de valores. As pessoas estão cada vez mais desconfiadas, a competitividade em alta, e nunca se sabe em quem se pode confiar: seria esse o lugar dos animais? Afinal eles não falam, estão sempre atentos aos movimentos dos humanos, imitam, aprendem por observação. Existe uma piada que ilustra isso: “tranque seu cachorro e sua mulher no porta malas de um carro, depois de uma hora abra e observe a reação, provavelmente seu cachorro vai te lamber e abanar a cauda, já sua mulher...” Seria isso que se busca? Alguém que vai nos amar independente de nossas ações?
   
Nunca se escreveu tanto sobre os animais, vários livros e filmes foram lançados nos quais se tem como protagonista um cão. Cães e gatos nunca ocuparam tantos aposentos dentro de casa, a indústria ligada a eles cresceu e oferece uma ampla gama de produtos, que vão de rações balanceadas a produtos de higiene e acessórios. Paralelo a isso, atualmente cresce o número de ONGs ligadas à proteção animal, pessoas engajadas no resgate de animais vítimas de maus tratos e abandono, que sugerem que não se deve mais comprar animais e sim adotá-los, pois isso geraria uma responsabilização maior e descaracterizaria o animal como um produto a ser descartado quando os donos não tivessem mais interesse. Essa conscientização teria como objetivo diminuir o número de abandonos e consequentemente a quantidade de animais vagando pelas ruas. Diante disso, as pessoas não seriam mais donas de um animal e sim responsáveis legais com direitos e deveres para com eles. 
   
Então: qual seria o sentido de adotar um animal? Estaríamos tentando transformar esses bichinhos em um membro da família? Desejamos aprender algo com eles? Ou nosso desejo seria o de tentar ensinar características humanas a esses animaizinhos? As perguntas são muitas e talvez a única certeza que se pode ter é a de que eles ocupam um lugar. Talvez um lugar daquilo que se foi e não é mais, um lugar de valores e sentimentos perdidos na busca desenfreada pelos “vazios” consumos de uma sociedade perdida, um lugar de um ouvinte atento que não retruca, um lugar para a carência de verdadeiros sentimentos, um lugar para o consolo de quem procura um lugar na vida e não encontra. 
 
Afinal, é difícil resistir ao olhar de um animal: um olhar sem nenhuma palavra, mas que pode dizer muito mais do que longas conversas. Seria isso? Estamos um busca de um olhar que nos reconheça e deseje a nossa companhia sem pedir nada em troca? Mas isso seria muita responsabilidade para um animal: dar conta de demandas que nem os próprios humanos dão; seria tornar esses animaizinhos tão neuróticos e "loucos" quanto nós. É bom pensarmos sobre isso.

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