sábado, 6 de novembro de 2010

Folhas em branco

Ana Carolina Seara
 
Ao olhar para uma folha em branco, qual sua sensação? Ansiedade? Angústia? Vontade de sair correndo? Desejo de iniciar logo e escrever? Muito similar à sensação que se tem no momento de iniciar algo novo: um novo emprego, uma nova relação, são momentos que trazem à tona sentimentos que muitas vezes não conseguimos definir, a folha em branco é a espera de algo a ser escrito, é a continuação de uma história. Afinal, quem nunca se deparou com folhas em branco ao longo da vida? Com esse velho conhecido que nos rouba a paz: o vazio. Lá tudo é possível de ser construído, mas nada existe! Algumas pessoas logo se arriscam e vão escrevendo qualquer coisa, palavras que surgem e vão preenchendo o espaço da folha, outras se utilizam de palavras já conhecidas, trechos que são reeditados, com uma nova roupagem e que encorajam a dar continuidade. Mas encarar uma folha vazia e o desejo de arriscar algo novo gera um certo desconforto até nos mais hábeis escritores.

Ao escrever a nossa vida quando nos deparamos com novos desafios, que envolvem os planejamentos de futuro, aquilo que se deseja, mas sobre o qual não se tem controle, resgatamos tudo aquilo que um dia já foi escrito, com os erros e acertos, com as boas e as más sucedidas tentativas. Afinal não existem garantias de que as palavras poderão compor um texto e fazer sentido, elas podem se tornar apenas mais um rascunho de algo que nunca sairá do papel, ou uma obra completa de muitas páginas, mas que o escritor envergonha-se de ter publicado.

A ansiedade gerada ao iniciar de algo novo pode estar relacionada ao fato de que não podemos ocupar dois lugares ao mesmo tempo, ou seja, é preciso abandonar uma situação conhecida e arriscar-se por uma nova: para começar a trabalhar, é necessário romper com a condição de desempregado ou apenas estudante; ao decidir namorar, abandona-se a condição de solteiro; ao escrever, abandonamos o branco da folha.

Mas diante do branco, algumas pessoas travam, simplesmente não conseguem ir adiante, tomadas pelas sensações que retornam de experiências mal sucedidas, nem se arriscam em acertar...param! Outras são colecionadores de novas experiências e folhas em branco e, ao longo de suas vidas vivem à caça das tais páginas em branco. Porém, se esquecem de colocar um fim nos capítulos anteriores, e suas histórias nunca acabam, são apenas muitos inícios, já que há muitos capítulos sem final.

Ao não conseguir iniciar, ou não conseguir dar um fim, estamos no final das contas versando sobre o mesmo tema, pois, como diria o compositor Paulinho Moska, “vamos começar colocando um ponto final, pelo menos já é um sinal de que tudo na vida tem fim” e se tudo tem um fim, algo novo de novo pode começar. Esse é um dos pontos importantes de que a Gestalt-terapia trata: as situações inacabadas. Finalizar histórias na nossa vida libera nossa energia para construir coisas novas. Ao longo da nossa vida, algumas experiências não puderam ser assimiladas ou superadas possibilitando crescimento e ficam como questões em aberto, que sempre nos levam a tentar solucioná-las. São situações que retornam com outras roupagens e, quanto mais esforço para não repetir a mesma história (na tentativa de dar um novo final, mas sem recursos para tal), mais tendemos a reeditá-la apenas com personagens diferentes... como Sísifo, voltamos sempre ao mesmo ponto. E existe saída?

Se o labirinto nos leva a dar voltas e mais voltas, precisamos retornar ao início e refazer os passos dados para encontrar o que foi perdido: quem sabe um mapa ou alguma nova informação que nos faça dar sentido àquilo que ficou pelo caminho e transformar as reticências em ponto final.

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