Ana Carolina Seara
Relacionamentos são um tema que
abre muitas possibilidades de reflexão; nos dias atuais, cada vez mais fica em
evidência a dificuldade de as pessoas construírem e manterem um relacionamento.
Quantos casais você conhece que
estão há mais de 20 anos casados? Quantos casais você conhece que, em
menos de 10 anos de convívio, se separaram? Se a cotação à primeira pergunta
foi mais alta do que para a segunda, você está entre um seleto grupo de
pessoas!
Não que eu faça alguma apologia
aos casamentos de longa data ou seja partidária de que se manter casado a qualquer custo seja melhor do que
estar separado, ou já ter vivido vários relacionamentos. Até porque, a questão
aqui talvez não seja o que é melhor ou pior. E se fosse, pior ou melhor pra
quem? Pra quê? Para a felicidade dos casais? Para os filhos dessa união? Para
as famílias de origem? Para a sociedade? Para a saúde?
O fato é que o número de
separações vem aumentando vertiginosamente. E a questão, talvez seja: o que
isso representa? O que esse dado está nos revelando? Hoje em dia, e já há
alguns anos, homens e mulheres estão de igual pra igual no mercado de trabalho (talvez não em remuneração, mas em
competência e formação técnica, certamente); vivemos uma época em que
individualismo, competição, produção, eficiência, pró-atividade, dinamismo são
cada vez mais valorizados; somado
a isso temos as influências
do meio virtual, da globalização, da mídia. E os relacionamentos? Em que lugar
das prioridades individuais eles estão? Hoje em dia, dificilmente se demanda de
um adolescente ou jovem que tenha um bom casamento ou escolha um marido ou
esposa que lhe faça feliz, hoje as demandas são: faça o vestibular, escolha um
curso! Tenha um bom trabalho! Compre seu carro, construa sua casa! Ganhe dinheiro! E...consuma!
O que mais se vê nas festas
são jovens (e os nem tão jovens em idade, mas que
já aderiram às “convenções” atuais de relacionamento) sem saber o que esperar
desse outro ou em como se comportar: beijos e abraços que duram o tempo de uma
“balada” ou de um encontro marcado.
Os mais jovens talvez não questionem esse formato, os balzaquianos parecem
perdidos entre a geração do compromisso formal e do “vale-tudo”; e os mais
velhos vivem a liberdade depois da desilusão de relacionamentos desfeitos mas
não sabem mais qual seu lugar na relação, “pagar ou não pagar a conta” virou a
questão.
Para eles (e aqui falo dos
heterossexuais), a queixa frequente é de que as mulheres estão independentes,
auto-suficientes, parecem não “precisar” mais de um homem ao lado para serem
felizes, e elas gritam aos quatro cantos que estão “muito bem obrigado”, mas
será? E para elas, tão perdidas quanto os homens, o estudo, o
trabalho, as viagens (em outras palavras, o reconhecimento social) passou a ter
tanta prioridade que parece que
elas perderam a habilidade de se relacionar.
Mas, relacionamento não é um
produto. Bem que as empresas virtuais de relacionamento tentam, tentaram ou
ainda estão tentando, formar “pares”, num mundo em que as pessoas parecem estar
desencontradas. Pessoas não são produtos! Amor não é um somatório de
qualidades, características
físicas e de “personalidade” dividido pelos defeitos. Amor talvez seja algo que a ciência ainda está tentando
entender, conceituar, mas possivelmente nunca poderá explicar. Ele acontece por inúmeros motivos e sem
nenhum. Não podemos medi-lo, quantificá-lo, só podemos senti-lo. Talvez seja
isso que ainda preserva a sua
beleza e o seu mistério.
Relacionamento envolve
negociação, paciência, tolerância, parceria e amor. Certa vez, num casamento o
padre perguntou aos pais dos noivos o que
era necessário para a felicidade do casal, um deles respondeu: “coragem!”, no princípio aquela resposta
me chocou, mas refletindo um pouco mais sobre isso talvez ela faça muito
sentido. Coragem: ousadia, destemor, energia e firmeza diante do perigo,
perseverança. Talvez seja preciso muita coragem para comprometer-se com alguém
(e num casamento se faz isso todos os dias), coragem para arriscar o encontro com
um estranho que se julga conhecer muito bem, pois é na relação que o risco de
se ver espelhado no olhar alheio acontece, reflexo que pode revelar as mais
lindas formas ou as mais terríveis sombras. É na relação, ou no relacionar-se,
que conheço coisas sobre mim que eu nem supunha: é desnudar a alma confiando na
capacidade do outro em suportar e cuidar daquilo que está sendo exposto. E além disso tudo, talvez seja preciso
coragem, para depois de muito suportar uma relação que produz mais desamor do
que amor decidir abandonar o barco, e com ele, os sonhos, os projetos e os desejos
para aquele relacionamento.
O que se espera de uma relação? Algumas
vezes penso que o que se espera de uma relação é que ela permaneça sempre igual.
A mesma exigência imposta nos dias atuais para a aparência física, que as
marcas do tempo sejam apagadas, a gravidade controlada e que a vitalidade dos
18 anos ressurja. Num relacionamento, as pessoas desejam que a paixão dos
primeiros anos continue sempre igual, que as mudanças (trabalho, filhos, lutos,
conquistas, etc.) não interfiram, que o sexo e o humor não se altere. Nem todos
os dias acordamos bem, a cada dia podemos encontrar uma nova marca no rosto, descobrir uma tarefa que já
não executamos com a mesma destreza de antes e, a não ser que alguém tenha a curiosa patologia do Benjamin Button,
assim será.
Mas cada marca traz consigo um
aprendizado. Se pudermos aceitar que as coisas mudam, que o tempo passa e que
isso faz parte da nossa condição humana, talvez seja mais fácil aceitar que as
relações se modificam, mas que o amor pode suportar essas modificações. E é
preciso coragem para aceitar esse convite, para embarcar numa aventura que não
se sabe o fim. Mas, se não a tivermos, teremos ficado ancorados a ver navios, a
ver a sombra das possibilidades que nunca aconteceram, como navios fantasmas,
presos a relações que duram uma noite, a imagens que nunca envelhecem, mas que
perdem um pouco do brilho e do encanto a cada dia.
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